segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

O extermínio das ciências humanas em Portugal


(...) O Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS), da Universidade do Minho, é uma unidade de investigação em Ciências da Comunicação, avaliada pelos peritos internacionais da FCT (Fundação para a Ciência e Tecnologia) como Excelente, de resto a única na sua área a obter tal classificação. Trabalham neste centro 60 investigadores doutorados e cerca de 130 investigadores fazem o doutoramento. Por outro lado, uma dúzia de bolseiros apoiam os projetos de investigação em curso. Mas em apenas dois anos, a FCT reduziu o melhor centro de estudos em Ciências da Comunicação do país a uma unidade de investigação residual. Cortou-lhe 30% do financiamento global, não aprovou projetos avaliados como excelentes e reduziu incrivelmente o número de bolsas para formação avançada. Em 2013, o CECS teve apenas uma bolsa de doutoramento aprovada, um projeto aprovado em 2012 e nenhum no concurso de 2013.
Por outro lado, também em 2012, a área de Ciências da Comunicação perdeu a sua qualidade de área específica, tendo sido colocada no único bloco constituído das CSH (Ciências Sociais e Humanas), o qual, com os seus 15% de peso no financiamento, inclui, além das Ciências da Comunicação, a Sociologia, a História, a Geografia, a Antropologia, as Línguas e Literaturas, os Estudos Culturais, as Ciências da Educação, as Artes, entre outros. A FCT abriu em 2012 e 2013 concursos de investigadores-FCT, para bolsas de topo na investigação. Os cinco candidatos do CECS foram reprovados, como aliás todas as candidaturas nacionais vindas da área das Ciências da Comunicação. Em ambos os concursos, todavia, nenhum membro do júri era investigador desta área científica. (...)
A FCT rompeu o pacto de confiança que tinha com as universidades públicas – elas não são mais o seu parceiro privilegiado para a execução das políticas científicas. Entretanto, num galope sempre cada vez mais alucinante e vertiginoso, a irracionalidade seguiu impante. Concursos estruturantes para a vida das instituições nos próximos seis anos, a serem abertos nas férias de Verão ou a serem lacrados na passagem do ano. Concursos sem regras fixas, ou com regras de geometria variável, a serem fixadas em andamento, e até depois de concluídos os concursos, ou então, pasme-se, a serem alteradas no meio de concursos abertos. Plataformas informáticas que nunca funcionam de modo escorreito e tornam caótica a gestão dos prazos dos concursos. A aplicação de métricas à produtividade científica nas CSH, completamente inadequadas, que fazem depender a qualidade académica de meras agências de rating. A nomeação de um Conselho Científico de Ciências Sociais e Humanidades, sem consulta à comunidade académica e com a credibilidade ferida por uma série de intrusos, desqualificados na área, uns, com o estigma da encomenda partidária, outros, e com o vício do nepotismo, outros ainda, um Conselho diminuído em “autonomia, autoridade e experiência”, a ponto de seis das principais associações científicas desta área terem exigido, sem mais, a revogação da decisão de nomeação.
Esta estratégia, de tão feroz e ensandecida, apenas pode ter como objetivo destruir a comunidade académica, vencendo-a pelo cansaço, pelo nojo e pelo desespero, na presunção de que seja impossível suster tamanho ciclone. E, todavia, instados a pronunciar-se sobre o CECS, o inglês Denis McQuail, professor da Universidade de Amesterdão e uma referência mundial nas Ciências da Comunicação, e também a inglesa Annebelle Sreberny e a estadunidense Janet Wasko, respetivamente, a antiga e a atual presidentes da mais importante associação mundial de Ciências da Comunicação, a International Association for Media e Communication Research (IAMCR), escreveram, em síntese:
“O CECS é o mais reputado centro de pesquisa português em várias áreas, que incluem a literacia mediática, a economia política dos média, a regulação dos média, os estudos lusófonos (políticas da língua, políticas da comunicação, identidade e narrativas, identidade e multiculturalismo), e estudos sobre as políticas científicas e tecnológicas no espaço ibero-americano. Além disso, o CECS desempenha um papel de liderança crítica nos estudos da Comunicação. Os seus membros detêm posições de topo em associações internacionais e na direção de alguns bem-conhecidos grupos de pesquisa internacional. O centro organizou, por outro lado, alguns dos mais importantes congressos internacionais de Comunicação: o Congresso da IAMCR; em 2010, vários Congressos Lusófonos, desde 1999; o Congresso da Secção de Rádio da ECREA, em 2012; o Congresso Europeu de Semiótica Visual da IAVS, em 2011”.  (...)
Deveria ser permitido puxar da pistola, quando do Governo ou da FCT nos viessem falar de qualidade e de excelência, de ligação às empresas, de empreendedorismo, de competitividade e de produtividade. Porque é criminosa uma política científica que não tem pensamento nem cultura, que não tem conhecimento nem consciência. Um vento maligno levantou-se na Cidade e percorre-a em devastação. Enquanto durar, serão anos de calamidade.

Moisés Lemos Martins, diretor do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS) da Universidade do Minho e Presidente da Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação (Sopcom) e da Confederação Ibero-americana das Associações Científicas e Académicas de Comunicação (Confibercom), “Público”, 03-02-2014 :: Texto integral: http://bit.ly/1eso9XO :: Fotografia: "Público" / Arquivo

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