quinta-feira, 15 de agosto de 2013

A informação biquíni


O “Daily Mirror” é lido pelas pessoas que acham que mandam no país. O “The Guardian” é lido pelas pessoas que acham que deviam ser elas a mandar no país. O “The Times” é lido pelas pessoas que realmente mandam no país. O “Daily Mail” é lido pelas mulheres dos homens que mandam no país. O “Financial Times” é lido pelas pessoas que são donas do país. O “Morning Star” – jornal do Partido Comunist – é lido pelas pessoas que acham que o país devia ser mandado por outro país. E o “Daily Telegraph” é lido pelos que acham que ele é realmente mandado por outro país.
É um exercício interessante, não é? Eu podia aqui exercitar os sucos gástricos e escrever sobre os concorrentes do “Diário de Notícias” ou até sobre o próprio “Diário de Notícias”... Há tanto para dizer sobre os jornais. Os jornais do poder político, os dos juízes e da polícia, os jornais dos empresários e dos intelectuais (ainda há jornais de intelectuais?), os dos professores e pensionistas, etc. Não há mal nenhum nisto se entendermos que cada periódico tem uma clientela com exigências e apetites informativos que criam mercados de leitura muito concretos.
Há até espaço para nichos. O “Diário Económico”, onde trabalhei, e o “Jornal de Negócios”, por exemplo, vendem hoje cada um deles (nem sempre foi assim) menos de quatro mil exemplares por dia em banca, mas exercem uma influência determinante nestes poucos leitores que, por sua vez, têm um peso enorme na opinião que o País forma sobre os assuntos económicos e políticos. Não é por acaso que a reforma do IRC foi tão bem recebida: a agenda dos empresários é esta, não outra. Já a redução do IRS (vital) não encontra defensores tão persistentes e vocais que obriguem a que o assunto se fixe no centro do debate. Os sindicatos poderiam assumir este papel, mas concentram-se nas reivindicações salariais e na defesa de estatutos profissionais muitas vezes caducos – e daí não arredam pé.
Na verdade o que parece escassear são jornais que olhem para o todo e escolham o relevante. Que tratem as notícias não na perspetiva de um grupo de interesses, mas que estejam abertos a todo o universo informativo sem ficarem, digamos, capturados. Não se trata apenas de resumir tudo ao antagonismo superficial entre austeridade e crescimento, mas de enriquecer as análises e as decisões que tomamos – como a eleição de um Governo –, com informação bem investigada capaz de remeter o ruído partidário (a insistência nos swaps) ou o jornalismo mirone (o biquíni de Judite Sousa) para o lugar que merecem. À “Caras”, portanto, o que é da “Caras”. A questão é até simples, como diria sir Humphrey, o secretário permanente do primeiro-ministro Jim Hacker – da série Yes, Prime-minister, de onde tirei a citação inicial: "Se as pessoas não sabem o que estamos a fazer no Governo, não sabem o que estamos a fazer mal no Governo." Não está mal visto.

Autor: André Macedo, jornalista, “Diário de Notícias”, 15-08-2013
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