segunda-feira, 5 de março de 2012

“Público” tenta regressar ao passado



Quando apareceu nas bancas, em 5 de Março de 1990, sob a liderança editorial de Vicente Jorge Silva, o jornal “Público”, onde tive o enorme prazer de trabalhar, entre 1993 e 2000, revolucionou a imprensa portuguesa, tendo influenciado a produção de jornais nacionais, regionais e até locais. Muitas dessas influências, nomeadamente estéticas, perduram ainda hoje.
Com uma equipa de grande qualidade intelectual e com profissionais para quases todas as tarefas, como era preciso, beneficiando da capacidade de investimento de Belmiro de Azevedo, o “Público” marcava a diferença, assumindo-se como um jornal que aprofundava os assuntos com rigor, explicando devidamente todos os acontecimentos, fossem eles relativos à crise da ideologia comunista após o fim da URSS ou à problemática do tratamento dos lixos domésticos num município dos arredores do Porto. E isso sem deixar de dar as notícias do dia, numa altura em que a Internet estava nos primórdios.
Desde o seu primeiro número (ver imagem da capa neste "post"), o “Público” habituou os seus leitores a muito mais do que à notícia do dia anterior. Com o “Público”, o leitor encontrava diariamente uma visão da região, do País e do Mundo devidamente enquadrada. E foi assim que o jornal da SONAE se transformou numa marca de informação com valor acrescentado.
Mas os tempos mudaram. A comunicação mudou. O jornalismo mudou. O “Público” – que em 1990 surgira com uma imagem e um conceito únicos em Portugal – inaugura hoje aquela que é a sua terceira mudança de grafismo e de conteúdos nos primeiros 12 anos deste milénio, o que, para um jornal de referência, julgo serem mudanças a mais em tão pouco espaço de tempo, mas que demonstram as dúvidas e as incertezas sobre “o papel do papel” nos meios de comunicação, para utilizar uma expressão da directora Bárbara Reis. As mudanças têm um objectivo: fazer do “Público” o jornal de referência que já foi – um regresso ao passado, adaptado aos tempos de hoje. A tarefa é muito difícil.
O “Público” que hoje está nas bancas, no dia em que comemora 22 anos, é um jornal diário que não valoriza as notícias do dia, mas que precisa de tempo para ser lido. Teoricamente, o conceito parece adequado, até porque o público-alvo tem acesso à notícia do dia em tempo real. A questão é saber se esse público tem tempo para ler e, sobretudo, se o jornal – cada vez com menos meios humanos – tem capacidade para oferecer aquilo que um leitor exigente espera todas as manhãs. Da resposta a esta questão dependerá o sucesso ou não de mais esta mudança.

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